11 julho, 2011

“Caraíba quer tomar as terras do Xingu”

Pelo colaborador Ramon Cardoso*

Recentemente, foi autorizada pelo IBAMA, depois de anos de discussão e sob muitos protestos, a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Porém, ao contrário do que muita gente imagina, a polêmica Usina de Belo Monte não é tema recente – o estudo de viabilidade da construção foi iniciado em 1980 - e inspirou, inclusive, o que, em minha opinião, é um dos mais belos sambas da história.

“Xingu, o Pássaro Guerreiro”, composto em 1984 por João Nogueira e Paulo César Pinheiro, foi o primeiro samba enredo que o recém criado Grêmio Recreativo Escola de Samba Tradição desfilou. A letra em tom de crítica questionava, já naquela época, os impactos da construção no meio ambiente e na vida das tribos da região do Alto Xingu.

“Autoridade” da tribo Caiapó, o cacique Raoni é um dos índios que, por mais de 30 anos, tem lutado contra a invasão do “Caraíba” (o homem branco). Ele chegou a declarar que juntaria seus guerreiros e buscaria apoio de outras tribos da região caso suas terras fossem invadidas para a construção da Usina. Na letra, o cacique é retratado conforme sua primeira aparição pública: armado e “pintado com tinta de guerra”, reivindicando a demarcação do Parque Indígena do Xingu.

A estrofe seguinte versa sobre as dificuldades que os índios têm passado - o desaparecimento do “Curimatã” (peixe) e a fuga do “Uirapuru” (pássaro) - com a mudança do curso do rio e a inundação de grande parte da área verde. Para tentar reverter a situação, é pedido a Tupã (“deus trovão”) que ele benza a muiraquitá, que, por ser feita de Jade, recebe o nome de ”Pedra Verde”, e é uma espécie de amuleto para os índios.

O Rio Xingu é um dos afluentes do Amazonas e cruza boa parte do Pará. Seu nome, em Kamaiurá, significa “água boa”, e mostra a importância de seus recursos para a população indígena, tanto na agricultura quanto na caça. A música de João Nogueira e Paulo César Pinheiro, apesar de ter quase 27 anos, ainda hoje é um dos hinos da luta contra Belo Monte e dos defensores das terras do Xingu. Veja abaixo sua letra completa:


“Xingu, o Pássaro Guerreiro”

Pintado com tinta de guerra
O índio despertou
Roani cercou
Os limites da aldeia
Bordunas e arcos e flechas e facões
De repente, eram mais que canhões
Na mão de quem guerreia
Caraíba quer civilizar o índio nú
Caraíba quer tomar as terras do Xingu

Quando o sol resplandece, os raios da manhã
Na folha, na fruta, na flor e na cascata
Reclama o pajé pra Tupã
Que o curimatã sumiu dos rios
E o uirapuru fugiu pro alto da mata
Toda caça ali se dispersou
Oh! Deus Tupã
Benze a pedra verde, a muiraquitá
Que os índios
Estão se juntando igual jamais se viu
Pelas terras do pau-Brasil

É Kren-Akarore, Kaiabi, Kamaiurá
É Tchukarramãe é kretire, é Carajá (bis)

Ê! Xingu
Ouvindo o som do seu tambor
As asas do Condor, o pássaro guerreiro
Também bateram se juntando ao seu clamor
Na luta em defesa do solo brasileiro

Um grito de guerra ecoou
Calando o uirapuru lá no alto da serra
A nação Xingu retumbou
Mostrando que ainda é o índio o dono da terra


Mas essa não é a única música em que João Nogueira demonstra senso crítico e engajamento com os eventos do país. Sua música “Das 200 pra lá” (Esse mar é meu), gravada em 1971 por Eliana Pittman e sucesso na voz de Clara Nunes, faz uma clara alusão ao episódio da Guerra da Lagosta, em 1960, onde cinco navios de pesca franceses foram apreendidos pela Marinha Brasileira.

Como resultado desse episódio, a criação, em 1970, de um Decreto Lei, que estipulava o aumento da extensão do território marítimo brasileiro para 200 milhas. Mais uma vez, em sintonia com a vontade da população, João cantou seu protesto:

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar (bis)

Vá jogar a sua rede das 200 para lá
Pescador dos olhos verdes
Vá pescar em outro lugar


*Ramon é estudante de Marketing e sambista nas horas vagas

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