23 setembro, 2010

Trilha Antiga – Tom Zé (1968)


1968
Sony Music
Produção: José Araújo
Assistente: Shapiro
Arranjos: Damiano Cozella/ Sandino Hohagen
Design Gráfico: Officina Programação Visual - SP

(Lado A - 1. São São Paulo /2. Curso Intensivo de Boas Maneiras /3. Glória /4. Namorinho de portão /5. Catecismo, Creme Dental e Eu /6. Camelô * Lado B -1. Não buzine que eu estou paquerando /2. Profissão de ladrão /3. Sem entrada e mais nada /4. Parque Industrial /5. Quero sambar meu bem /6. Sabor de burrice)

Não poderia ter ano mais emblemático do que 1968 para o lançamento de Tom Zé (ou Grande Liquidação), primeiro disco de um dos principais compositores da Tropicália. Naquela época, o movimento florescia, com o lançamento de seu disco-manifesto, Tropicália ou Panis et circencis. E se o disco coletivo mostrava a pluralidade dos tropicalistas, em seu trabalho solo Tom Zé teve espaço suficiente para explorar o seu talento individual.

Menos melódico e poético do que Gil e Caetano, parece fácil hoje prever que Antônio José Santana Martins jamais alcançaria o sucesso comercial de seus colegas. Nascido em uma família nordestina que enriqueceu após ganhar na loteria, Tom Zé nunca poupou a sociedade na qual tantos outros não tinham a mesma sorte. Em Grande Liquidação, as letras de suas músicas dedicam-se, sobretudo, a criticar os poderosos de então. Para isso, o cantor não dispensa a sátira e o deboche. Em Glória, a imagem do “chefe de família” é desconstruída para revelar o homem inescrupuloso que enriquece através da corrupção. Já São São Paulo, composição vencedora do IV Festival de Música Popular Brasileira, é uma ode ao contrário da metrópole símbolo do projeto desenvolvimentista que prometia o “país do futuro”. Os reflexos do processo de urbanização são também estudados na narrativa fragmentada de Parque Industrial, outra música marcante da Tropicália.

Não só o mundo dos negócios e da cidade grande é alvo da zombaria de Tom Zé, como também o ambiente familiar da classe média brasileira. Em Namorinho de portão, o “bom rapaz” se queixa do que tem que agüentar na casa da namorada: da vovó no tricô ao Chacrinha e a novela na TV. Embora o rapaz pareça se vingar em Não buzine que eu estou paquerando, a alienação que seria promovida pelos meios de comunicação de massa é mais uma vez atacada em Sabor de burrice. Inteligentemente construída, a letra usa todos os adjetivos que se daria a um intelectual para falar logo dela, a ignorância.

Todo esse panorama do Brasil pouco antes do “milagre econômico” é acompanhado de uma instrumentação criativa, que mais tarde faria o cantor cair nas graças do ex-Talking Heads David Byrne e assim conquistar o reconhecimento internacional. Para mandar a sua mensagem, Tom Zé não hesitava em utilizar o recurso que mais lhe apetecesse, sem nenhum medo de subverter ritmos e gêneros. Uma das músicas mais divertidas do disco, Quero sambar meu bem deixa claro o recado: “Quero sambar também, mas eu não quero andar na fossa cultivando tradição embalsamada”.

Se há mais algo a dizer, é que 1968 também foi o ano do AI-5, que institucionalizou a censura no Brasil. Um pequeno divertimento do disco é ouvir a introdução falada no começo de Camelô: “um dia o camelô, danado da vida...”. O cantor se interrompe e cinicamente pergunta: “danado pode dizer em disco, né? ”

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